terça-feira, 11 de novembro de 2008

Mendes prefere silêncio à polêmica sobre anistia

BRASÍLIA - Depois de ter dito que o terrorismo "também" é um crime imprescritível aumentando a polêmica em torno da anistia, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, optou ontem pelo silêncio, mesmo diante das declarações do ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, de que ele deveria evitar ser simpático à ditadura. A opção pelo silêncio tem o objetivo de não aumentar a polêmica sobre um assunto que será julgado, em breve, pelo plenário do STF.

As declarações de Mendes de que o terrorismo também é um crime que não prescreve foram interpretadas por assessores do Planalto como uma resposta à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roousseff, que militou em um grupo contrário ao regime militar. A ministra tinha dito que crime de tortura não deveria prescrever.

"O ministro precisa manter o distanciamento em relação àquele regime", afirmou Vannuchi. "Não pode fazer declarações que denotem simpatia por aquele regime - porque o uso dessa linguagem, de terrorista, foi do regime", disse. O STF terá de julgar, em breve, o assunto.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional protocolou uma ação questionando a concessão de anistia a policiais e militares que praticaram supostos atos de tortura. Segundo a entidade, os policiais e militares que torturaram não cometeram crimes políticos, mas comuns.
Congresso

A Câmara foi técnica e não entrou na polêmica se a Lei da Anistia beneficiou os torturadores no ofício que enviou ao STF em resposta ao pedido de informações do ministro Eros Grau. A resposta de Chinaglia se limitou à tramitação do projeto. "A lei nº 6.683/79 foi aprovada na forma de projeto de lei do Congresso Nacional, conforme ficha anexa, seguindo, à época, todos os trâmites constitucionais atinentes à espécie", diz o documento.

Foram anexados os registros de tramitação que mostram por onde e quando o projeto passou pelo Legislativo. A assessoria da Mesa da Câmara afirmou que não cabe ao presidente Chinaglia fazer a defesa do mérito dos projetos que foram aprovados, mas informar apenas se o projeto foi votado e aprovado de acordo com o regimento e a Constituição.

No pedido encaminhado à Câmara pelo STF, Eros Grau é suscinto. O ministro diz apenas que, para instruir o processo, ele requisita "informações" sobre o processo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A entidade entrou com ação no Supremo argumentando que a Lei da Anistia não beneficiou os responsáveis pelos crimes de tortura no período da ditadura militar.

A Lei da Anistia foi aprovada em sessão do Congresso no dia 22 de agosto de 1979, com o País sob vigência da ditadura militar. A Arena, partido de sustentação do governo, era amplamente majoritária, havia senadores biônicos, nomeados e sem votos, e o MDB, única legenda de oposição com existência permitida, não tinha número suficiente para impor qualquer resultado nas votações.

Enquanto o MDB, com o apoio de diversas entidades, defendeu a anistia ampla, geral e irrestrita e foi derrotado, o governo não concordou em anistiar os presos políticos que haviam sido condenados pela prática de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.

Na véspera, enquanto parlamentares discutiam a proposta na sessão, no lado de fora do prédio do Congresso, uma manifestação pela anistia ampla, geral e irrestrita era dissolvida com bombas de gás. Presos políticos completavam 33 dias de greve de fome quando os parlamentares começaram a votar o projeto em uma das sessões mais tumultuadas da história do Congresso.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

ESTADAO entrevista Paulo Abrão: Militantes exerceram direito legítimo Data:





Ele contesta a tese de que integrantes da esquerda que praticaram terrorismo podem ser processados se Lei de Anistia for revisada

Felipe Recondo

Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão contesta a tese de que militantes de esquerda que praticaram ato de terrorismo durante a ditadura militar possam ser processados caso o Judiciário revise o alcance da Lei de Anistia, punindo igualmente torturadores e terroristas. Na terça-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, lembrou que terrorismo, assim como tortura, é crime imprescritível de acordo com a Constituição. Integrantes do governo se irritaram com a declaração de Mendes e a interpretaram como uma resposta à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, militante de um grupo armado que lutou contra a ditadura militar, que dias antes havia dito ser favorável à punição dos torturadores. "O uso da palavra ?terrorista? era típica da linguagem do regime autoritário para justificar os atos de tortura. É uma expressão eivada de ideologia", afirma Abrão.

O sr. entende que militares e militantes de esquerda que cometeram algum crime à época da ditadura devem ser processados?

Não. Os militantes exerceram o direito legítimo de resistência e insurgência básico no liberalismo moderno. Vigorava uma ditadura que os perseguia, torturava e matava. Já foram processados em IPMs (inquéritos policiais militares) e muitos cumpriram penas duras, sem direito a contraditório e ampla defesa. Seus atos foram efetivamente políticos e, estes sim, anistiados explicitamente pela Lei de Anistia de 1979. Os torturadores eram os perseguidores e usaram a máquina administrativa para cometer crimes de lesa-humanidade e não políticos. Até hoje no Brasil não foram sequer processados, estão impunes. Há uma diferença ética e moral entre as condutas que não pode ser ignorada.

O ministro Gilmar Mendes diz que o crime de terrorismo é imprescritível. Portanto, a Lei de Anistia, se não beneficiou torturadores, não teria livrado também terroristas.

Há um avanço. O ministro disse que "os crimes de terrorismo também são imprescritíveis". Se ele disse "também", revelou seu entendimento de que os crimes de tortura são imprescritíveis. Isso é o mais importante para a luta em favor dos direitos humanos e contra a impunidade. Depois, tenho certeza de que, juridicamente, será demonstrado o contexto e a diferença ética entre atos de resistência e de repressão, entre crimes de natureza política e crimes comuns contra a humanidade. O guardião da Constituição não pode querer perdoar um erro pelo outro, em gesto político contra o direito que estabelece a imprescritibilidade.

Como o sr. analisa a afirmação do ministro de que os militantes de esquerda praticaram terrorismo?

Respeito, mas, como cidadão, não creio adequado que a autoridade máxima da nossa Justiça emita pré-juízo sobre um processo em que ele terá de se manifestar oficialmente, na ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Espero que ele se declare impedido por razões éticas. O uso da palavra "terrorista" era típica da linguagem do regime autoritário para justificar atos de tortura. É uma expressão eivada de ideologia. Os direitos humanos não podem ser ideologizados.

A interpretação da Lei de Anistia não virou questão de governo?

A questão da tortura não é uma questão de governo, é uma questão de princípio para o Estado, para o futuro de nossa democracia. O que está efetiva e suprapartidariamente em discussão é se a nação brasileira se funda no repúdio às práticas de tortura ocorridas, seja contra pessoas de esquerda ou de direita, em ditaduras de esquerda ou de direita, no passado, no presente ou no futuro. Ou se, por questão ideológica, somos e seremos contemplativos com acordos políticos para livrar criminosos em qualquer tempo da história.

Essa questão não deveria exclusivamente ser solucionada pelo Judiciário?

O movimento contra a impunidade é da sociedade civil e dos familiares. Se tivesse sido instituída uma ditadura do proletariado que tivesse torturado e matado, defenderíamos hoje peremptoriamente a responsabilização desses criminosos torturadores do mesmo modo. É uma questão de fundo sobre a afirmação da democracia e das liberdades públicas.

Diante dessas manifestações do presidente do STF, o sr. acha possível rever a anistia para militantes de esquerda?

Existe uma leitura política equivocada e somente agora os tribunais brasileiros deverão decidir qual a interpretação juridicamente válida. É a hora de o Judiciário brasileiro cumprir seu papel e sinalizar para o futuro.

O sr. acha possível o STF dar esse entendimento à Lei de Anistia?

Se o STF levar em conta os tratados internacionais de que o Brasil já era signatário desde a ditadura e que caracterizavam os crimes de tortura como imprescritíveis e de lesa-humanidade e analisarem corretamente a ação da OAB à luz da nossa Constituição, teremos um marco histórico, o mais forte e definitivo passo de consolidação institucional de nossa democracia dos últimos tempos.

O Brasil pode vir a ser condenado por organismos internacionais?

O Brasil admite que qualquer cidadão que se sentir lesado pode acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Já houve uma citação por audiência. A Corte pode determinar ao Brasil o cumprimento de suas sentenças. E sua jurisprudência já aponta que, em matéria de anistia, a competência da Corte retroage a antes mesmo da ratificação da convenção e mesmo a fatos anteriores à existência da própria Corte. A pior condenação, porém, é moral, a de figurarmos ao lado de outros países violadores de direitos humanos.

Quem é: Paulo Abrão

Mestre e doutorando em Direito pela PUC do Rio. Tem 33 anos

Foi assessor jurídico da Secretaria de Educação de Porto Alegre. Assumiu a Comissão de Anistia em abril de 2007

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

OAB pede a Tarso que comissão anistie ex-presidente João Goulart

colaboração para a Folha Online

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, reuniu-se nesta quarta-feira com o ministro Tarso Genro (Justiça) em Brasília para reforçar o pedido de que a Comissão de Anistia considere o ex-presidente João Goulart como anistiado político.

Segundo a OAB, Tarso confirmou presença na sessão que julgará o pedido de reparação de imagem feito pela viúva de Jango, Maria Thereza Goulart.

O julgamento acontece acontece no próximo dia 15 de novembro, durante conferência nacional dos advogados, promovida pela OAB em Natal (RN). "A sessão será feita durante a conferência da OAB, demonstrando claramente que o golpe militar errou e errou feio quando afastou um presidente eleito", afirmou Britto após o encontro com Tarso.

Além de Tarso e Britto, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, também participou da reunião.

A viúva de Jango também solicita uma declaração póstuma de anistiado político para ela e para Jango, reparação econômica em parcela única e uma pensão retroativa à morte do ex-presidente, em 1976.

João Goulart assumiu a Presidência em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, e governou até o golpe militar em abril de 1964. O ex-presidente se exilou com sua mulher e os dois filhos no Uruguai. Doze anos depois, sem nunca ter voltado para o Brasil, morreu na Argentina.